domingo, 6 de agosto de 2017

Eu, minha família e o Padre da paróquia.

4 de Agosto, dia do padre. As lembranças que tenho de tal figura, as mais remotas, são ainda da minha infância. Eu ficava na janela, o Padre passava e nós, crianças, pedíamos a bênção. Assim aprendi com meus pais, e lá na minha terra a gente pede a “bençã” e beija a mão, viu? Não só do Padre, mas de todo mundo a quem se deve.
Mas, a minha intenção ao contar essa simples história é testemunhar o que acontece na vida de um ser humano quando, ao seu redor, este tem um sacerdote que ama sua vocação e seu povo, a quem foi enviado.
Todas as pessoas, ou quase todas as pessoas que me conhecem sabem que sou de uma família muito simples. Minha mãe começou a trabalhar na Paróquia Nossa Senhora da Glória, em Manaus, como zeladora, no ano em que nasci, já faz 28 anos. Isso fez com que eu perdesse a conta de quantas vezes saí da escola direto para a igreja, para limpar os bancos, o chão, as janelas... Cresci literalmente dentro da igreja, aquele espaço físico era (é) como se fosse minha casa, ir lá quase todos os dias dava um ar de responsabilidade, um sentido de pertença.
Quem é de Paróquia sabe, toda vez que se muda um sacerdote, é um processo, às vezes dói. Quando o padre é querido pela comunidade é mais difícil fazer tal processo de passagem de um que vai, para outro que vem.
Enfim, lembro-me quando chegou à Paróquia um sacerdote Polonês, Stanislaw é seu nome, um Padre Religioso, Palotino. Eu era criança, pouco entendia porque minha mãe chorava ao se despedir do Pároco “antigo”... Mas sabia que devia ter saudade nos motivos que envolviam suas lágrimas.
Stanislaw veio, e não demorou muito para que, recém-chegado, adentrasse como água a minha realidade familiar... Acredito que desde que nos conheceu sabia que, na nossa pobreza, éramos felizes, mas ainda assim se fez um conosco e, sei, não era uma exclusividade nossa tal proximidade. Stanislaw com seu jeito polonês de ser era um santo no meio do povo. Com seu estilo próprio, sem batina, sem luxo, de camisa e sandálias... Pisou o chão e tocou as águas da Amazônia que agora era sua.
Quando ele chegou à comunidade eu e minha irmã mais nova não éramos nem batizadas. Meus pais há anos eram casados somente no civil. Morávamos num dos lugares mais perigosos da cidade, no Beco Normando (Bairro de São Raimundo), nossa Nazaré, pode-se assim dizer, afinal “poderia vir alguma coisa boa de lá?”. Sim, poderia... Mas essa história conto depois.
Tínhamos o que comer, vestir e uma casa pobre e simples... Pra nós já estava de bom tamanho. Poderíamos ter continuado ali, daquele jeito, vivendo cada dia como já estávamos acostumados... Mas não, as coisas mudaram porque um padre diferente chegou. Este ficou ali por uns 18 anos, e digo a vocês, foram os 18 anos onde aprendi o que significa abraçar com amor uma vocação.
Fui batizada por ele aos dez anos, minha irmã Janine, aos seis. Meus pais depois de 25 anos tiveram uma casamento religioso com direito a festa e tudo. Se tivemos alguém presente em nossas vidas foi aquele homem tão trabalhador e dedicado, que acabou me influenciando de alguma forma, pois, me mostrava com a vida, que com o povo não se brinca, mas se dá força e coragem para que sejam capazes de lutar por uma vida digna. E foi assim que fez conosco. Dava conselhos, motivava, chamava atenção e nos dizia que não podíamos nos contentar em viver a vida esperando as coisas caírem do céu. Fez de nós pessoas capazes de lutar.
Com ele aprendi a celebrar o Natal na rua, a partilhar a ceia com quem não tem nada para comer naquela noite. Aprendi que se pode ser generoso sem ser boba ou ingênua... Foi por causa dele e suas motivações que conseguimos mudar de casa, construir a nossa. Passando por muitas dificuldades, de todos os tipos... Mas ele sempre ali, como um verdadeiro pastor.
Pouco conversávamos quando eu era adolescente, mas nunca esqueço de um Natal, depois de passar o dia inteiro limpando a igreja com minha mãe e deixar tudo proto para a missa da noite, ele me presenteou com um discman (gente, um discman!), e disse: “Te dou de presente, mas não vá se vangloriar!”. Não tenho mais o discman (risos), mas trago aquelas palavras comigo até hoje...
Aquele Padre nunca falou abertamente sobre vocação comigo, nunca me forçou a procurar a Vida Religiosa Consagrada, nada disse diretamente a mim, mas nos dia em que lhe pedi uma carta de recomendação pra ir para o convento, vi brilho nos seus olhos... Vi sua alegria, vi que estava feliz comigo. E só depois de quase sete anos tive o prazer de saber o que ele havia escrito: “Essa menina é o braço direito da mãe. É dedicada. Tem vocação!”.
Quando voltei à minha cidade pela primeira vez, depois de ter saído de lá, fui à missa de Ano Novo, exatamente à meia-noite. Haviam-me pedido para recitar o Salmo, subi para o lugar reservado aos leitores... e lá, ao fim da missa, ele me disse: “Te vi crescer, Gizele. Saíste daqui uma menina...” Emocionado, se virou e saiu. Senti que me queria bem e rezava por mim, mas senti mais ainda que eu saía e um amigo ficava com os meus, por isso não precisaria me preocupar.
No mais, um padre quando ama a própria vocação faz tudo como Jesus faria. Ama sem ser recompensado. Ama porque se sente feliz. Ama porque tem no coração os mesmos sentimentos do Filho. E, para com o povo, age como Jesus agiria, claro, com seus limites, mas sem nunca esquecer que está onde está para servir, e não para ser servido. Vive em sua vida um verdadeiro “lava-pés”.

Por isso sou grata, Padre Stanislaw. Nunca lhe disse isso olhando nos olhos, mas um dia, direi.


Ir. Gizele Barbosa, fsp

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